quarta-feira, outubro 26, 2005
  Dia de aula na Terra Santa

Extenuado, o camisa 10 rapidamente atinge as escadas que levam ao vestiário.
Atravessa o túnel, abre a porta e senta-se no primeiro banco de madeira. O jogo, lá em cima, já está decidido. Seu time vence por 3 a 1 com certa facilidade.
No vestiário, uma infinidade de repórteres o cercam.
Ele comenta com o tradutor que precisa de um banho, e que mais tarde atenderá os jornalistas com todo o prazer. Como sempre.
O rei quer um pouco de privacidade.

Em junho de 1961, o super-time do Santos desembarcava em Tel-Aviv. Por 60 mil liras (o equivalente a 2 milhões de dólares na época), o amistoso da equipe comandada por Pelé seria realizado no dia 11, em Ramat-Gan, contra um combinado do Macabi Tel-Aviv e Hapoel Petach-Tikva, os dois melhores times israelenses da época.
O Santos vinha de uma maratona de jogos.
Poucos dias antes, enfretara o Basel, na Suíça. Foram 7 gols santistas, contra apenas dois suíços.

Trinta e cinco mil pessoas lotaram o estádio em Ramat Gan para ver Pelé e o esquadrão do Santos. Afinal, a lendária equipe do litoral paulista, antes mesmo dos dois títulos mundiais que a consagrariam (em 1962 e 1963), já havia espalhado fama pelos cinco continentes.
O menino Pelé, um dos heróis da Copa de 58, prepara-ve para novo round no ano seguinte, em 1962, no Chile. A segunda Copa de Pelé (que é uma outra história).
Do outro lado, um dos destaques era o atacante Zaharia Ratzabi, 27 anos e líder do consagrado Hapoel Petach-Tikva.
Abaixo, Zacharia (à esquerda) e o rei.



O combinado israelense começou melhor.
Mas logo aos 10 minutos, Coutinho recebeu lançamento perfeito dentro da grande área e fuzilou. Um tiro. O goleiro Yaacov Visoker nem se mexeu e o Santos abria o marcador.
Apenas mais sete minutos foram necessários para que Pelé comemorasse seu gol. Ele subiu mais alto que Goldstein, ainda na intermediária, livrou-se do zagueiro e disparou. De longe. Um chute de 25 metros que venceu facilmente o goleiro Visoker.
No fim do primeiro tempo. Pelé e Durval tabelaram pela direita e entraram como quiseram na área israelense. O último a tocar foi Durval, levando 3 a 0 para o vestiário.
Abaixo, Pelé disputa bola com o lateral do Maccabi Tel-Aviv, Shaul Matania.



O "Cabeça de Ouro" Nahum Stelamach, logo nos primeiros minutos do segundo tempo, cabeceou e diminui a vantagem dos brasileiros. 3 a 1.
Até que, aos 25 minutos, Pelé foi substituído. E desceu aos vestiários. E foi abordado por dezenas de repórteres. E queria um pouco de privacidade.

Mais tarde, Pelé deu entrevista ao já falecido jornalista Aleksander Aleksanderoni.

"Por que você foi substituído?"
Pelé sorriu. "É preciso dar a todos a oportunidade de ver o público israelense".
Perguntado sobre o que achou da equipe israelense, Pelé foi político (como sempre). Disse não esperar, sinceramente, encontrar uma boa equipe desse lado do mundo. Elogiou o centroavante Nahum Stelmach, autor do gol, e afirmou que ele poderia jogar em qualquer equipe européia.

"Que conselho você daria para essa equipe e que poderia ser estendido ao futebol israelense?"
Pelé deu mais que uma resposta. Deu aula.
"Os israelenses seguram demais a bola. É preciso tocar, lançar, chutar. Vencemos hoje porque fizemos tudo isso. Não foi brilhante, mas vencemos."
Mal sabe o rei que o futebol israelense ainda sofre desse mesmo mal, até hoje...

Apesar da vitória, os jornais não ficaram muito satisfeitos com a atuação de Pelé.
"Ele poderia ter dado mais", sugeriu o "Chadashot HaSport" da época, que mesmo assim encheu o rei de elogios.
"Resumindo, Pelé tem tudo. Ele é completo. Mas ele não esteve como gostaríamos de ver. Foi uma pequena decepção", escreveu o jornalista Yehuda Gavai.
O que os israelenses queriam afinal de contas?

Eis as duas equipes que se enfrentaram naquela tarde:

Combinado Macabbi Tel-Aviv / Hapoel Petach Tikva: Visoker (Sartinasky). Yafet,
Palshel, Goldstein, Shaul Matania, Yehuda Reviuv. Shlomo Nahari (Boaz Koffman),
Nahum Stelmach, Glazer, Avshalom Ratzabi, Zaharia Ratzabi.

Santos: Lourenço (Lela). Mauro, Dalmo, Getúlio, Bernardo, Lima.
Dorval (Sormani), Mengálvio (Tite). Coutinho, Pelé ((Pagão), Pepe.


"Se Grant (técnico de Israel) tivesse hoje um atacante como Ratzabi, teríamos ido à Copa."

A frase foi manchete do jornal Yediot Acharonot, no início do mês de Outubro.
Há pouco mais de duas semanas, uma multidão foi despedir-se de Zaharia Ratzabi.
Aos 71 anos, ex-atacante do Hapoel Petach Tikva e vencedor de 5 títulos nacionais deu adeus à esse mundo.
Ratzabi era do tipo calado. Reservado, tímido. Seu negócio era jogar futebol, desde moleque, ainda na época do Mandato Britânico. Foi artilheiro da temporada 62/63 com 12 gols.
Pela seleção, marcou apenas uma vez, em 11 jogos. Pela liga, foram 106 gols em 229 partidas.



Sua morte causou comoção e, ao mesmo tempo, boas histórias vieram à tona.
A melhor delas retrata o momento em que Ratzabi fez greve por não receber uma geladeira prometida pelos dirigentes. Seus colegas acharam a história um exagero, e passaram a chamá-lo de "Fridgider".
Ratzabi não gostou.
Os companheiros Stelmach e Koffman acabaram pressionando a diretoria e Ratzabi recebeu seu refrigerador, novinho em folha...

Para assistir ao vídeo de despedida de Ratzabi (Canal Sport 5, em hebraico), clique aqui!
 
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